Porque é que a economia espanhola continua a desabar?
Alberto Montero Soler; Março de 2009
A gravidade da situação da economia espanhola e as suas perspectivas actuais de pioramento a curto e médio prazo resultam, nesta altura, evidentes para qualquer cidadão.
A deterioração das principais variáveis económicas, chegando muitas delas a níveis desconhecidos na nossa história recente, e a velocidade do processo são traços indicativos de que se trata de um fenómeno sem precedentes próximos que permitam comparações, salvo talvez a crise de 1992-93.
É difícil questionar que a celeridade com a qual o desemprego está a aumentar constitui a manifestação mais evidente da gravidade da crise actual: de Janeiro de 2008 a finais de Janeiro de 2009 aumentou em mais de um milhão de pessoas, e situou-se no seu nível mais alto desde 1996, com 3.327.800 de desempregados (14% da população activa). Por seu lado, os dados de afiliação à Segurança Social recolhem que em 2008 se destruíram mais de 840.000 postos de trabalho.
Além disso, o que tanto se temia ocorreu: Espanha já se encontra tecnicamente em recessão, tendo em conta as quedas do PIB dos dois últimos trimestres de 2008, e todas as estimativas indicam que a contracção do PIB superará 1,5% em 2009.
Até aqui poderia parecer que não há elementos diferenciais entre os traços da crise económica espanhola e os de outras economias ocidentais: em quase todos os países, a crise financeira internacional está a deteriorar, com intensidade e velocidade dispares, as principais variáveis da economia real, aquelas que em maior medida incidem sobre a geração de riqueza e bem-estar.
Este facto favoreceu que as autoridades económicas espanholas tenham encontrado na crise financeira internacional o bode expiatório perfeito para lhe atribuir toda a responsabilidade pela situação actual e, martelando sem cessar o seu carácter internacional, tratem de eludir a quota de responsabilidade que lhes pudesse corresponder pelo estado de coisas actual.
No entanto, existe um importante elemento diferencial que, com um simples olhar, encaixa mal com o recurso ao automatismo simplista de atribuir ao contexto de crise internacional a causa única do curso que a crise em Espanha está a seguir. É que, enquanto no resto do mundo a crise financeira tem adoptado diversas expressões dessa natureza, já seja na forma de falência e/ou problemas graves de solvência de instituições financeiras, em Espanha esses problemas ainda não se manifestaram. O que, evidentemente, não quer dizer que não existam e se possam encontrar latentes sob uma forma diferente esperando o momento de explodir.
O estranho é que, apesar disso, a intensidade e celeridade com a qual se está a deteriorar a situação económica é, de longe, a maior da União Europeia e as perspectivas de que a situação melhore não são muito animadoras. Qual pode ser a razão?
OS DESEQUILÍBRIOS QUE NINGUÉM QUERIA VER
A comparação da crise em curso com a de 1992-93 permite destacar um importante elemento comum: em ambos os casos, os desajustes internos e externos da economia espanhola acabam por se tornar insustentáveis e provocam a necessidade de um ajuste que, ao não ser reconhecido e conduzido de forma ordenada pelos respectivos governos de turno, acaba por ser imposto sem contemplações por via do sector exterior.
Assim constatamos que, novamente, é a restrição externa que está a forçar o reajuste da economia espanhola, colocando-a perante as suas profundas contradições e pondo em xeque os governos de diferente signo político das últimas legislaturas. Governos que são responsáveis, tanto de estimular um padrão de crescimento insustentável económica e ambientalmente, como de não embridá-lo quando os primeiros sintomas de desequilíbrio começaram a aparecer, confiando em que as forças do mercado facilitariam um ajuste “suave” da economia espanhola.
Na origem desses desequilíbrios encontram-se uma série de circunstâncias amplamente vinculadas ao novo contexto económico e de política económica resultante após a criação do euro.
É que, se houve uma economia que aproveitou com intensidade as vantagens da criação do euro e, ao mesmo tempo, descuidou os efeitos perversos que dessas vantagens pudessem derivar a médio prazo sobre os seus equilíbrios económicos básicos, essa economia foi a espanhola.
A etapa de baixas taxas de juro que foi inaugurada com o aparecimento do euro permitiu que a Espanha, que tinha iniciado uma longa fase de expansão económica em 1997, beneficiasse de condições que, dado o diferencial de inflação da economia espanhola em relação aos seus sócios europeus, se distanciavam amplamente das que o Banco de Espanha deveria ter mantido se não tivesse cedido a sua soberania monetária ao BCE.
Isto levou a que, em determinados períodos, as taxas de juro reais em Espanha fossem negativas e, consequentemente, que os incentivos ao endividamento generalizado fossem quase irrefreáveis. Mas, também, a que Espanha pudesse financiar em condições muito vantajosas este longo período de crescimento de quase dez anos consecutivos de crescimento do PIB real acima de 3%.
Essa fase expansiva esteve acompanhada de um importante processo de criação de emprego (entre 1998 e o segundo trimestre de 2007, foram criados quase 7 milhões de novos postos de trabalho) e do incremento dos rendimentos económicos internos, sendo a construção o principal motor desta fase de expansão.
Desta forma, este longo período de expansão económica unido às vantajosas condições para o endividamento, permitiram que o incremento na oferta de moradias residenciais encontrasse uma procura nacional em condições de absorvê-la, reforçada pelo incremento da população imigrante e pelo turismo residencial europeu.
Conforme a dinâmica de revalorização continuada do preço dos activos imobiliários se mantinha no tempo, essa procura foi adoptando progressivamente um perfil mais especulativo; circunstância que se acentuava dada a baixa rentabilidade oferecida pelos tradicionais activos financeiros utilizados pela população para a manutenção da poupança.
Este círculo, aparentemente virtuoso e, como tal, exaltado por sucessivos governos, cedo entrou numa dinâmica que acabou por torná-lo vicioso.
Os factores que coadjuvaram a essa mutação foram, basicamente, três. Por um lado, a hipertrofia do sector imobiliário convertido em motor da economia e estimulado pelas expectativas de incremento continuado dos preços da moradia. Em segundo lugar, o recurso generalizado ao endividamento em massa por parte de famílias e empresas. E, finalmente, a dependência, para a manutenção oleada de toda esta engrenagem, do acesso por parte do sistema financeiro a recursos financeiros externos a baixo custo para poder atender à procura de crédito interna tendo em conta a baixa taxa de poupança nacional.
A bolha imobiliária estava servida e, como todo o fenómeno especulativo, a sua continuidade dependia de que nenhum dos factores que a alimentava colapsasse.
Se a este padrão de crescimento desequilibrado e de natureza especulativa juntarmos o já referido diferencial da taxa de inflação espanhola em relação às dos seus sócios europeus e os seus menores níveis de competitividade, encontraremos o outro grande desequilíbrio da economia espanhola: o seu tremendo déficit de conta corrente, que em 2008 chegou a 10% do PIB.
Um déficit que persistiu porque os diferentes governos foram incapazes de atalhá-lo por via de reformas estruturais e porque, além disso, a pertença ao euro, ao mesmo tempo que protegia a economia espanhola do ajuste pela via dos ataques especulativos, também tornava inviável o instrumento que em várias ocasiões tinha permitido corrigir este desequilíbrio: a desvalorização da moeda.
Face a estes desequilíbrios, a economia espanhola gozava de duas importantes fortalezas.
Por um lado, a posição de superavit fiscal e os reduzidos níveis de endividamento público em relação ao PIB, que lhe permitiram contar com um mínimo de almofada de segurança quando a crise começou a manifestar-se, mas que rapidamente, pelo menos no que ao saldo fiscal se refere, se esgotaram.
E, por outro lado, a relativa robustez do seu sistema bancário e financeiro, como consequência de que, desde o ano 2000, o Banco de Espanha obrigava bancos e caixas de poupança a dotar provisões genéricas para que, no caso de se produzir um aumento da morosidade, a posição financeira das instituições não se visse afectada. Se a essas reservas, que quando se iniciou a crise eram de mais de 30 mil milhões de euros, acrescentarmos as injecções de liquidez a partir do BCE, o Fundo de Aquisição de Activos Financeiros criado pelo governo e os avais do Estado para as emissões de dívida que realizem, poderemos entender por que não faliu ainda nenhum banco ou caixa de poupança espanhóis.
Fonte Informação Alternativa